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Okay

Encontro anual da EFHCO
em Genebra

De 23 a 25 de setembro tive o prazer de estar no encontro anual da EFHCO ( European Federation of Healthcare Clown Organizations) em Genebra. Lá, junto com outros membros do HCRIN ( Heatlhcare Clowning Research International Network), ministramos oficina para outros pesquisadores ligados a organizações da federação sobre como desenvolver pesquisa nesta área.

Ética da Alegria
No Contexto Hospitalar

Em Ética da Alegria, a psicóloga Morgana Masetti apresenta sua visão sobre qualidade das relações estabelecidas no ambiente hospitalar, ressaltando questões referentes à técnica, hierarquização, distanciamento das relações e mercantilização da medicina. Em sua proposição, a autora aponta caminhos possíveis para o estabelecimento de relações de qualidade com pacientes hospitalizados.

Um pedaço de Vida
Tese do Doutorado

Um pedaço da minha vida está online. Ele se chama tese. Fui olhar o significado para entender onde a escrita deste trabalho se encaixava. Encontrei palavras que significaram este percurso: afirmação, proposição, trabalho a ser defendido. A tese Ética do Encontro, defendida em dezembro de 2018, é, antes de tudo, a afirmação da vida através dos encontros. Nesta última pesquisa…

Vozes
Narrativas de Saúde

O Projeto Vozes é um espaço para você deixar o relato sobre sua experiência relacionada a algum episódio de doença, hospitalização, recuperação. Um espaço para contar sobre suas descobertas, aprendizados, relação com profissionais de saúde, importância da família ou outro tema ligado a esta etapa de vida. A memória não é um órgão de mera recomposição dos fatos, com o…

Trecho 3 TEDx Morgana

Essa é uma parte da minha participação no TEDxUFRJ, onde contei minha trajetória profissional e as experiências que me fizeram mergulhar em pesquisas a fim de entender as relações construídas nos ambientes hospitalares e como a qualidade delas pode contribuir para o que chamo de “saúde contemporânea”. Atualmente me dedico a uma nova fase de pesquisa, entrevistando fundadores de organizações…

Trecho 2 TEDx Morgana

Me debrucei sobre a questão do humor dentro dos hospitais durante meu mestrado e os Doutores da Alegria foram ponto de partida preponderante. Comecei estudando a questão do humor na saúde, mas com a observação da atuação dos artistas nos hospitais percebi que o trabalho deles ia muito além disso. Até que me deparei com reflexões do Espinoza sobre alegria,…

Sentir é pensar sem ideias e por isso é compreender.” Fernando Pessoa
“Uma vida é curta para mais de um sonho.” Leminski
Deixei uma ave me amanhecer. "Manoel de Barros"

Pesquisa

Desde 1993 venho pesquisando a atuação de palhaços profissionais em hospitais e sua relação com o desenvolvimento de saúde, 3 fases distintas resumidas no texto a seguir. Talvez alguém me pergunte: mais porque tanto tempo pesquisando este tema? Porque ele é fascinante, constrói pontes entre o universo da arte e saúde ampliando espaços na visão sobre o cuidar, curar. Nos ajuda a construir um futuro onde a ética do encontro será um dos pilares fundamentais da saúde .

PRIMEIRA ETAPA  1994 -1998   – Pesquisa visando analisar o impacto do trabalho dos Doutores da Alegria no ambiente hospitalar na perspectiva dos profissionais, pais e da própria criança. Foram realizadas entrevistas exploratórias com 45 profissionais de saúde e 38 pais, seguindo um roteiro pré estabelecido de perguntas. Esta estratégia visava possibilitar a comparação das respostas mas, ao mesmo tempo, criar espaço para o aparecimento do maior número possível de posicionamentos com o grau de profundidade desejado pelos entrevistados. A partir dos indicadores levantados, foram elaborados questionários estruturados e aplicados a 30 profissionais de saúde e 29 pais. A coleta do material foi realizada nos hospitais Nossa Senhora de Lourdes e Hospital Israelita Albert Einstein na cidade de São Paulo.   Para a avaliação junto às crianças, foram coletados 90 desenhos: 68 desenhos no grupo de pesquisa e 22 no grupo controle. Foram solicitados dois desenhos antes da atuação dos “Doutores da Alegria” e dois após o trabalho, com um intervalo médio entre a primeira e a segunda aplicação de duas horas: o primeiro desenho pedia que ela representasse   como ela se sentia em estar no hospital e outro de uma pessoa (figura humana). Junto a esse pedido iam sendo registradas histórias que as crianças contavam à medida que iam desenhando. As características analisadas foram: diferenças de estilo, cores, formas e tamanho, qualidade das histórias comparando os dois momentos, antes e depois da atuação dos Doutores da Alegria.

1 As entrevistas com os profissionais de saúde

O sorriso pode ser um indicador de uma melhora no estado clínico. O médico que valoriza isso dá um melhor tratamento” (médico entrevistado).

A análise do material apontou para os seguintes resultados:    

A. Com relação às crianças:

A mudança de comportamento da criança foi considerada como o ponto mais marcante do trabalho dos clowns. As crianças que estavam prostradas ficavam mais ativas depois da atuação dos artistas. As quietas passavam a se comunicar mais. As que estavam chorando passavam a sorrir. Também passaram a se queixar menos de dores. Observou-se uma melhora e/ou aumento do contato e colaboração com a equipe e com o tratamento médico. As crianças passaram a se alimentar melhor ou aceitar as medicações e exames.   Os profissionais também acreditam que ocorreu uma melhora na imagem da hospitalização: modificou-se a percepção do hospital como um ambiente hostil, diminuiu a ansiedade da internação. Alguns profissionais associavam a atuação dos “Doutores da Alegria” a uma aceleração na recuperação física e no pós-operatório.

B. Com relação aos pais e mães:

Os profissionais afirmaram que o sorriso funciona como um indicador importante de recuperação física; ajuda a diminuir a ansiedade e torna os pais e mães mais confiantes no tratamento médico e na equipe. Observaram também que os pais passavam a ser mais ativos na recuperação dos filhos, aceitando melhor a hospitalização ou percebendo-a de forma mais positiva.

C. Com relação aos profissionais e o hospital:

Houve diminuição do stress da rotina hospitalar e maior facilitação do trabalho através da melhora de contato com crianças, pais e outros profissionais. Melhorou a imagem do hospital e houve mudança de comportamento dos profissionais que passaram a se sentir mais dispostos para o trabalho.

2 As entrevistas com pais e mães

“Ver meu filho contente me deixa contente. Hoje até eu estou sorrindo.” (mãe)

Os resultados sugerem:

A. Com relação às crianças:

A mudança de comportamento do filho durante a internação é o ponto mais marcante da atuação dos palhaços. Tal como no relato dos profissionais entrevistados, eles observaram que as crianças passavam a falar mais, a brincar, a se alimentar e a expressar a expectativa de que os “palhaços” voltassem. Observavam também que as crianças passavam a encarar a hospitalização de forma mais positiva.

B. Com relação aos pais e mães

Houve diminuição da ansiedade com relação à internação. Melhoria no cuidado com o filho hospitalizado. Houve também alteração na imagem do hospital.   “Ver meu filho sorrindo, mesmo doente, é bom, ao invés de só vê-lo tomando remédio.” (mãe)   Para eles, a mudança observada na condição emocional da criança a partir da atuação dos palhaços foi um determinante importante de sua própria condição emocional.   “Fiquei alegre de vê-lo feliz, isso me deixou mais tranqüila.” (mãe).

3. Os desenhos e histórias das crianças

“Do personagem menino que morre, ao super-homem que o salva do gigante”. (desenhos da criança)

Analisando o material antes e depois da atuação dos palhaços, a alteração mais evidente foi na modificação do conteúdo das histórias. Observou-se um enriquecimento de conteúdo, maior número de histórias positivas ou de final feliz e uma maior expressão de conflitos. Outras alterações importantes foram: aumento no tamanho dos desenhos,  maior uso de cores, maior nitidez ou aprimoramento nas formas. Todas essas alterações são indicativos de que, de alguma forma, houve uma expansão do movimento da criança e de sua forma de se posicionar com relação à situação de hospitalização. M. de 5 anos, por exemplo, trocou suas cores de tons pastel com fraca intensidade por vermelho, azul, verde em tons fortes. L. passou do desenho de uma pequena casa sem moradores a uma outra que ocupava praticamente todo o espaço do papel onde a família estava reunida. S. passou da história do menino que morria para a do super-homem que o salvava do gigante malvado que queria matá-la.   Desenhar aqui é entendido como a concretização material e visual da experiência de existir da criança. As correspondências formais e gráficas espelham a organização interna do universo da criança.   O corpo inteiro está presente nessa ação. A ponta do lápis funcionaria como ponte de comunicação entre o corpo e o papel, como um instrumento medidor de impulsos do sistema nervoso, motor e psíquico. O desenho se transforma em um espaço de expressão para pontos de conflitos que estejam bloqueados ou que estão consumindo uma grande quantidade de energia da criança para sua elaboração psíquica. Atrás dos rabiscos da criança pode existir um desenho elaboradíssimo que só quem acompanhou seu processo de realização sabe de seu significado e valor (Derdyk, 1994). Esses dados que aparecem se mostram em concordância com os depoimentos de pais e mães, médicos e enfermeiras. Através dos desenhos constatamos uma maior expansão motora e emocional das crianças expressas pelo aumento de formas, maior uso de cores, melhor resolução das histórias.

SEGUNDA ETAPA 1998 a 2001   Esta etapa da pesquisa foi desenvolvida dentro do programa  de mestrado da psicologia social da  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo , defendida em maio de 2001. Abaixo um resumo dos temas tratados nos capítulos e metodologia de pesquisa.   Capítulo1,  adotou como concepção teórica a impossibilidade de existência de uma realidade hospitalar objetiva externa a nós. O modo como a consciência reconhece e organiza a percepção determinará os fatores que serão privilegiados para a construção dos acontecimentos existentes. Assim, a  forma como os profissionais de saúde se relacionam com o ambiente hospitalar está ligada a um conjunto de percepções repetidas que, ao longo de sua formação, passam a ser situadas como um conjunto de fatos experimentados como “verdades”. Essas “verdades” produzem algumas dinâmicas específicas dentro da Instituição Hospitalar. O capítulo 2 buscou situar uma visão de saúde e de pontos relevantes sobre o tema da humanização nos hospitais. O capítulo 3 criou um panorama sobre a função artística social do palhaço, bem como sua ligação com o desenvolvimento de saúde.   Todo esse cenário nos levou  á  questão chave dessa reflexão: Os Doutores da Alegria influenciam a forma como os profissionais falam sobre as relações com seus pacientes?   No pano de fundo dessa pesquisa está a hipótese de que a atuação dos Doutores da Alegria, através do trabalho artístico concretizado pela figura do palhaço, redimensiona a percepção de como se operam as relações e o pensamento dentro da Instituição Hospitalar. Reafirma a percepção de que as especificidades da ação humana têm uma interferência vital nos acontecimentos cotidianos. Através das alterações de comportamento geradas pelos palhaços no ambiente hospitalar, os personagens desse contexto se sentem convidados a compreender melhor os valores e crenças que conduzem seu modo de perceber os fatos. Essa avaliação colabora para refletir sobre o modelo médico atual e sua interação com pessoas que passam por uma situação de doença.   Como forma de aprofundar essa reflexão foi realizado um grupo focal com artistas do Programa Doutores da Alegria e profissionais de saúde de quatro hospitais onde os palhaços atuavam na ocasião da pesquisa. O objetivo da pesquisa foi buscar, através da análise dos diálogos estabelecidos, indícios de transformações, onde os profissionais falam sobre suas relações com seus pacientes a partir do contato com o trabalho dos Doutores da Alegria.    

1. Coleta de dados   Foi realizado um grupo focal com a participação de três médicos e de quatro enfermeiras dos hospitais Emílio Ribas, Cândido Fontoura, Instituto da Criança e Hospital da Criança, todos  hospitais públicos, situados na cidade de São Paulo , Brasil.. Do programa Doutores da Alegria estavam presentes sete artistas e a pesquisadora.  A seleção dos convidados foi feita a partir de sugestões dos artistas, facilidade de acesso, disponibilidade e interesse do profissional para discutir o tema. A maioria dos profissionais convidados tem experiências da influência do trabalho dos Doutores da Alegria em sua prática profissional. Um dos médicos trabalha na área administrativa e percebe a atuação dos palhaços como possibilidade de mudanças gerenciais da Instituição em que trabalha. Duas das enfermeiras convidadas participaram da construção do Hospital da Criança que se inspirou no trabalho dos palhaços para estruturar sua missão e valores. Um dos médicos é professor de residentes que passam pelo workshop “O hospital pelos olhos do palhaço”, um trabalho  realizado pelo artistas do programa Doutores da Alegria ,que visa dividir o olhar do artista com o médico. Ele mesmo fez o workshop.   O grupo foi realizado no dia 14 de setembro de 1999 e teve duração de duas horas e meia, registradas com gravador. A avaliação das pessoas no final do encontro, principalmente dos artistas, foi de que a discussão trouxe novas informações sobre o trabalho artístico a partir das falas dos médicos e enfermeiras. A pergunta chave do encontro, colocada no início da conversa pela pesquisadora, foi sobre o papel do palhaço dentro do hospital: Quem é essa figura dentro do hospital, que interferência vocês acham que ela promove dentro do hospital?

2. Análise dos dados   Os dados foram transcritos literalmente das fitas. Após a transcrição escrita foi feita uma análise seqüencial dos diálogos a qual consiste em agrupar os diálogos na seqüência da conversa, de acordo com os temas tratados no grupo como no exemplo abaixo:

Pesquisador retoma a pergunta: “o que o palhaço promove dentro do hospital?”    

Enfermeira 1 fala da ação na alteração da rotina hospitalar. Uso do humor, arte, músicas, instrumentos, roupas para quebrar ambiente hospitalar. Expectativa da volta dos palhaços.   

Artista 1 coloca a pergunta: “será que a gente transforma ou a continuidade da nossa presença motiva vocês a transformarem?”    

Enfermeira 2 coloca rotina do hospital como técnico x sonho da presença dos palhaços: “de enfermeira eu passava a criança.” Fala sobre a filosofia do hospital da criança que parte do trabalho dos doutores.    

Artista 1 retoma a pergunta: “A presença da gente dá a licença mas a gente vai embora”.    

Enfermeira 1: como dotar os profissionais para a relação?    

Artista 1 insiste na pergunta: “se existe questionamento do profissional a transformação vem dele. O artista provoca isso”.    

Enfermeira 3 fala da opção de escolher pediatria. O profissional já é diferente por escolher trabalhar com criança.

A análise seqüencial deu possibilidade de perceber os temas mais freqüentes que surgiram nas conversas. O conjunto de temas recorrentes nos diálogos, bem como os objetivos da pesquisa levaram a escolhas de alguns temas para serem analisados mais profundamente. Esses temas foram categorizados em cinco tópicos:

Profissionais de saúde: quem são / o que fazem / com afetam os palhaços

  • Palhaços: quem são / o que fazem / como afetam os profissionais
  • Hospital: como funciona / o que muda com os palhaços
  • Crianças: como são / o que fazem / como agir com elas
  • Pais: como são / o que fazem / como agir com eles.

Esses temas foram utilizados para a construção do mapa de associações de idéias (Spink, 1999). Trata-se de um mapa com colunas verticais onde são colocados os tópicos acima escolhidos. Então se escreve todo o diálogo desenvolvido pelo grupo respeitando a colocação das falas de acordo com os tópicos. As falas que não correspondem aos tópicos entram no tema “outros”. A seqüência das falas foi organizada independentemente de serem artistas ou profissionais. Adotaram-se marcações de cores diferentes para localização de quem fala (palhaços em vermelho, profissionais em preto).   A  análise desse material  se compõe de uma leitura vertical de cada coluna do mapa buscando destacar o que caracteriza cada personagem que aparece na discussão de grupo (profissionais, palhaços, pais, crianças, hospital) e destacar quais são os indícios de alterações na maneira como os profissionais falam da relação com seus pacientes a partir do contato com os Doutores da Alegria.    

3. Indicadores das possibilidades de transformações do relacionamento entre profissionais e crianças a partir da atuação dos Doutores da Alegria

Os mapas ajudaram a elencar  vários pontos da atuação dos Doutores da Alegria que favorecem a relação entre palhaço e criança. Esses fatores foram agrupados em quinze indicadores principais que caracterizam possíveis aspectos de influência dos artistas na prática profissional das pessoas que trabalham nos hospitais. Esses indicadores são:

  1. Percepção dos fatos a partir de novos parâmetros
  2. Ação como contexto referencial
  3. Exercício do poder a partir das paixões alegres (ação, liberdade)
  4. Vivência de cada encontro como um grande acontecimento
  5. Transformação da experiência da doença em possibilidade de desenvolvimento
  6. Estabelecimento de relações simétricas
  7. Construção de vínculos que permitam a expressão de sentimentos e dificuldades cotidianas
  8. Corpo vivido de forma integrada (racional e emocional / pessoal e profissional). Valorização do corpo como algo preenchido de emoções
  9. Percepção da realidade através dos sentidos (visão, audição), além do mental
  10. Estabelecimento de relações de confiança
  11. Sucesso do tratamento ligado à qualidade do processo de relação estabelecido
  12. Percepção de que a situação da criança pode ser reconhecida e transformada e não minimizada)
  13. Atuação a partir da necessidade da criança / pais
  14. Modelo de atuação construído a partir da relação (modelo pessoal) em contraposição a um modelo externo pré estabelecido
  15. Foco no presente.

No próximo tópico  foram destacados trechos das falas do grupo focal que evidenciam transformações da relação profissional com a criança/pais e ilustram os quinze indicadores. Procurou-se disponibilizar falas que evidenciassem tanto a facilitação da relação em cada um dos aspectos levantados, como os dificultadores.   Dos quinze itens destacados, seis não apresentam exemplos de falas que comprovem alterações de comportamento a partir da atuação dos artistas. São eles: exercício do poder a partir das paixões alegres (ação, liberdade), vivência de cada encontro como um grande acontecimento, estabelecimento de relações de confiança, compreensão que a situação da criança possa ser transformada e não minimizada, modelo de conhecimento construído a partir da relação e foco no presente.   Os dificultadores para que existam alterações na relação com o paciente estão ligados a aspectos da formação do profissional, o que comprova vários aspectos abordados no capítulo2 da tese. A estrutura do saber médico cria uma hierarquia quanto ao saber que leva a uma relação de submissão e passividade. A relação de simetria se estabelece com o saber médico e não com o paciente. Além disso, o hospital é visto como um local que drena muita energia para abrir espaço para o inusitado ou o criativo. A identidade profissional está centrada na parte técnica. O fato de promover procedimentos dolorosos dificulta a possibilidade do profissional enxergar que a relação possa se desenvolver além da dor que deve ser minimizada, ser maior que esse aspecto da doença. Não se acredita que relação possa suportar a dimensão da dor e ir além. A expressão de sentimentos, em geral, é vista como negativa para a identidade do profissional e como algo que possa abalar a relação de confiança com o paciente.

4. Indicadores das possibilidades de transformações do relacionamento entre profissionais e crianças/pais a partir da atuação dos Doutores da Alegria

1. Perceber os fatos a partir de novos parâmetros: possibilidade de ressignificar uma atitude cotidiana, algo que se experimenta como uma “verdade” pode ser visto sobre outra perspectiva.

A. Falas que evidenciam transformações:

Dr. P., faço uma confissão: eu fiquei impressionado a hora que eu vi o senhor com os Doutores da Alegria, foi uma coisa muito boa. E daí percebi que tinham outros profissionais sensíveis a este trabalho. (médico falando sobre o Diretor Executivo de um hospital, grupo focal )    

Graças ao Doutores da Alegria, a rigidez da comissão de infecção, que é o inferno da vida de todo mundo, começa a ficar menos  rígida…” acho que não vai dar aquele problema que eu estava pensando …. o bicho da infecção não anda tão rápido assim. ( grupo focal – médico)    

Por que vocês ficam fazendo as coisas que vocês fazem, em frente de uma criança que está entubado, sedada na UTI? Eu nunca entendia. Quando eu via vocês fazendo isso pelas primeiras vezes, eu olhava aquilo e pensava: maso paciente está entubado,  sedado. Eles estão dando tal e tal remédio, tomando isso, tomando aquilo e vocês assim: e daí, que é que é isso? eu não sei que remédios são esses. ( médico, grupo focal )

2. Ação como contexto referencial: a ação colabora para que se perceba os fatos através dos sentidos. Ela é vital para se viver as relações. Ela ajuda a tirar o profissional da vivência da relação no plano mental e o insere no fluxo dos acontecimentos. Não é a ação eminentemente técnica que profissional conhece bem. É a ação baseada nas necessidades extra fisiológicas ou medicamentosas do paciente.

A. Falas que evidenciam transformações:

O importante é você ver o clowns em ação. Porque aí você sente que aquilo funciona, que aquilo é real… você vê que tem outros caminhos para você fazer aquele trabalho que vão além de um modo rígido. (grupo focal – médico)    

A gente visita uma senhora, … é impressionante, tem  um enfermeiro que é o gatão e a gente sempre concorre  para ver quem vai ficar com a Sra Y. E agora toda vez que a gente vai trabalhar ele espera eu entrar pra ele brigar comigo (risos), paquerar a Sra Y. na minha frente. Daí ele me ensina como eu  devo paquerar, mas eu nunca consigo chegar aos pés dele. E´sempre assim, é maravilhoso  saber que ele está lá todo dia trabalhando , pronto para uma parceria conosco. (grupo – artista)

B. Dificultadores: o hospital drena energia para conduta ativa :

O hospital  gasta energia. Chega na segunda semana, tudo bem, tem uma diferença, não é? Na terceira parece que é estaca zero. Vamos de novo trabalhar, não tem essa. É esse que eu acho que é o maior desafio. (grupo focal – médico)

3. Exercer o poder através da paixões alegres e não da submissão (paixões tristes):Capacidade de viver relações onde a composição do encontro aumenta o poder de ação, a potência. As paixões tristes (culpa, piedade, compaixão), ao contrário, ameaçam a coerência diminuindo potência.

A. Falas que evidenciam transformações: o trabalho mexe com uma necessidade de ação baseada na liberdade

Acho que é como uma carta branca, vocês acabam liberando para gente algumas coisas que a gente  gostaria de fazer e pensa: não, é muito ridículo, não vai dar certo, não vou botar um nariz daquele vermelho e sair gritando com a criança. Então vocês provocam a gente de uma tal maneira: “Olha, dá pra você fazer também”. Você não consegue logicamente atingir o topo máximo disso. Mas cutuca a gente a estar fazendo. E um outro profissional também que está em pauta, ele fala, olha dá pra ser ridículo que nem eles, dá porque fazer alguma coisa, jogar futebol no meio na enfermaria. Brincar, sair fazendo folia, bagunça  com as crianças… A minha sensação é de uma carta branca:, dá pra você fazer também, dá pra bagunçar junto, dá pra fazer determinadas coisas. ( grupo focal- enfermeira)

O trabalho de vocês é  para os adultos, nós que estamos trabalhando, eu acho que a maior parte vocês estão atuando em cima de nós. Porque vocês estão  dando essa abertura para que a gente possa ser algo diferente do que a gente é no nosso dia-a-dia. Então no fundo além da criança vocês estão trabalhando também com nós, adultos. (grupo focal – enfermeira)

Eu acho que vocês, com essa atitude , deixam alguma coisa em termos de transformação na gente. A maioria de nós, sempre buscou conseguir ser como vocês, em levar a alegria, brincar, extravasar. (grupo focal – médico)

B. Dificultadores: a estrutura do saber médico cria uma hierarquia quanto ao saber que cria submissão quanto ao que se pode ou não.

4. Viver cada encontro como um grande acontecimento: o encontro é possibilidade de crescimento e alimento da alma do profissional e paciente.

A. Falas que evidenciam transformações não apareceram.

B. Dificultadores: O profissional acredita que o fato de promover procedimentos dolorosos dificulta a possibilidade de enxergar que a relação possa se desenvolver além disso, ser maior que esse aspecto do doença.

E vem pra fora aí você está fazendo a coisa séria, porque você está fazendo sério, porque o que a gente faz não é bolinha de sabão, que a gente possa soltar, é doloroso é um momento sofrido pra criança. (grupo focal – enfermeira)    

5. Transformar a experiência da doença em possibilidade de desenvolvimento: a possibilidade de viver reconhecendo os acontecimentos e indo além. O que aparece consegue ser incorporado à relação. O que se experimenta como dificuldade pode ser aceito e levado para outro estágio. Paciente e profissional podem sair fortalecidos com a experiência.

A. Falas que evidenciam transformações:

Mas o processo de mudança ele é muito complicado mesmo…, o duro não é você passar por uma crise, é você passar por uma crise e não mudar. Você perde tua chance. E o que acontece é que você percebe que as pessoas mudam depois do trabalho dos palhaços. (médico falando sobre o trabalho dos Doutores da Alegria junto aos profissionais)    

6. Favorecem relações simétricas entre as pessoas: o profissional pode construir a relação a partir das necessidades do paciente , saindo de uma posição onde ele se coloca como profissional ( dono do saber técnico) e o paciente de uma posição de passividade.

A. Falas que evidenciam transformações: Procedimento era técnica e de repente, naquele momento em que vocês estavam presentes, a coisa se transformava numa forma muito lúdica, um sonho. É como se, naquele momento, tudo mudasse e eu, de enfermeira, passasse a ser uma criança. (grupo focal – enfermeira)

Falando do último workshop que foi sexta-feira passada com os residentes da enfermaria: vou contar  uma coisa  que  sempre acontece depois destas oficinas. Tem um paciente nosso que está muito mal: não se alimenta, está com uma infecção grave, não quer sair da cama. A residente que cuida dele participou do workshop com ao palhaços e chegou na enfermaria este fim de semana e iniciou um trabalho  de pintura com este paciente,  levou ele no computador,  brincou com ele. Assistiu novela com ele.  E ele saiu da cama pela primeira vez, está comendo, ele saiu pra ver novela com ela. (grupo focal – médico falando sobre médica que realizou oficina  para profissionais de saúde com Doutores da Alegria)

B. Dificultadores: a relação de simetria se estabelece com o saber médico.

O médico ele é rígido em favor da ciência. Ele é rígido em favor da ciência mesmo que isso prejudique a criança. É verdade. Ele perde a sensibilidade. De repente ele defende a ciência nem que ele perceba que vai prejudicar. Vai prejudicar mas no futuro vai ser melhor pra ela aquelas coisas assim. (grupo focal – médico)        

O médico  tem que ter uma máscara de poder. Porque quando o paciente está com a barriga aberta ele tem que decidir, e a decisão dele tem que ser a mais correta, porque quando ele fecha você nem sabe o que ele fez lá dentro. Ele tomou a decisão mais correta, sinto muito. Não tinha outro jeito. Ele tem que decidir. E isso leva a esse tipo de maneira de pensar e o médico  fica muito em cima num pedestal…. (grupo focal – médico)

7. Exposição de um lado escondido: Construir vínculos que permitam expressão de sentimentos, espaço para falar das dificuldades cotidianas (solidão, medo, desamparo, etc). O hospital pode ser um lugar onde a vida acontece com toda sua complexidade tendo espaço para os sentimentos que permeiam as situações.

A. Indicadores de transformação:

Na UTI isso é uma experiência que eu passei no segundo ano de residência médica , eu comecei a ver vocês passando na UTI, um dos primeiros dias que eu estava trabalhando lá. A gente perdeu uma criança , estava todo mundo ali se segurando para não desmoronar.. Vocês chegaram e começaram a cantar uma música que particularmente eu conhecia, que eu toquei muito em bar. Que é Canto do Povo de um Lugar que o Caetano canta. Vocês começaram a cantar eu tive que sair da visita, porque eu comecei a chorar. Eu vi a criança morrendo, morreu eu comecei chorar. Eu tive que sair da visita, eu saí, fui dar uma arejada, tomar um café. (grupo focal – médico)

…Eu estava fazendo uma música para as faxineiras, a faxineira termina a coreografia caindo de bunda no chão. Eu falei: “Ah! Esqueci essa parte da coreografia”. Daí todo mundo caiu de bunda. Depois ela aparece de bruxa e se fantasia , maquiada, e vira pra criança, tira a  dentadura, sorri toda banguela. (risos) No meu modo de ver, ela caiu de bunda porque inconscientemente ou consciente ela já viu a gente fazendo isso. Isso já estava nato nela.(grupo focal – artista)

E de repente você tem um potencial de sensibilidade num monte de pessoas que não se permitem colocar, o clown joga isso. Ele trabalha isso, exatamente por aí. Olha como você é ridículo por não se permitir. Olha como essa sua máscara é boba. Quem usa máscara sou eu, mas o mascarado é você. (grupo focal – médico)    

8. Valorização do corpo como algo preenchido de emoções: as emoções se integram ao corpo .Lado profissional e pessoal podem ser vividos de forma integrada. O corpo é veículo de uma ação que expressa algo que fala de sua essência .Pode acontecer em função do que é congruente com o corpo e com a relação. O corpo é algo além do objeto de estudo que conta sobre um sintoma. Ele é a possibilidade de leitura da vida que acontece dentro do hospital

A. Indicadores de transformação: Essas coisas elas tão acontecendo e ninguém chega a ter que tomar Prosac, mas sem dúvida alguma coisa interna forte acontece e acontece na emoção que é o mais importante, e que, de certa forma, desvia um pouco do racional.Passa direto na emoção. (grupo focal – médico)    

As coisas que aconteceram depois da chegada dos Doutores no Instituto da Criança, ficaram mais fáceis de  serem trabalhadas, porque as pessoas, de alguma forma, mudaram. A gente que tentou fazer isso no estilo racional: olha como é que é? Olha com é que são? como é a nova gestão. Aqueles mil discursos e não muda. E aí a gente também adota no próprio treinamento, coisas emocionais. Trabalha com filmes, começamos a mudar, a vivência, jogo, e aí a gente começou a sentir que isso realmente tem mais impacto se for feito sistematicamente… o palhaço é especial como arquétipo. Ele é essa coisa do diabo. Ele chega porque ele sente uma crise, um desbalanço, eu queria ser emocional, mas eu não posso ser emocional porque alegria com seriedade, aquela coisa do tenho que ser sério e carrancudo. Você tira do eixo, né? Aí você está naquele balanço, e de alguma forma o palhaço quebra isso. (grupo focal – médico)    

O importante é  o profissional saber que ele pode fazer todas as atividades dele, porque ele tem que fazer, mas ele vai fazer tendo dentro dele uma forma um pouco diferente de abordar a criança. É a mudança na questão da atitude, da abordagem que é importante. E trabalhar a criança. O fato de eu até chorar junto da criança ou não, não tem tanta importância. O importante é o sentimento, é você saber que o seu sentimento de alegria ou de tristeza pode ser colocado e que isso não vai ser julgado. (grupo focal – enfermeira)

B. Dificultadores: Formação do médico:

Porque, de repente, você tem um residente que foi martelado durante seis anos mais três anos de residência, com ciência, ciência, ciência. (grupo focal – médico)     .

..a gente tem trabalhado muito assim, que hospital é uma coisa muito séria, tudo o que você faz é muito sério, então você é levado numa direção assim. (grupo focal – enfermeira)

. ..as pessoas que são formadas há mais tempo que não cedem a isso, acho que é difícil cederem a isso, porque nunca foram apresentados a este tipo de vida. Estão no hospital para aquilo existe: uma coisa que se chama remédio, é orgânico, é a doença, e acabou. (grupo focal – médico)                

9.Perceber a realidade através dos sentidos: os acontecimentos se dão através da possibilidade de ver e  ouvir o outro levando a percepção dos fatos para além do mental. Isso colabora para a ligação do lado racional com emocional.

A. Indicadores de transformação:

O palhaço mostra que com a criança só a explicação racional não funciona Porque eu acho que todo mundo passa uma barreira de procedimento doloroso e você tem que usar a lógica pra convencer: “Olha, isso vai ser bom pra você porque é bom pra curar você. A criança não entende. (grupo focal – artista)

B. Dificultadores: formação médica

Essa idéia de que você tem que ser forte e de que tem que estar acima de todas as fraquezas humanas porque você é médico, é uma idéia torta, mas que as pessoas têm. (grupo focal – médico)

10.Estabelecer relações de confiança: se constrói a partir de espaços que podem ser abertos para que as experiências aconteçam integralmente. Da possibilidade do profissional ficar em um “vazio” inicial, talvez desconexo, sem tentar preenchê-lo com uma explicação sobre o fato, mas aceitando o outro como ele se apresenta.

A. Indicadores de transformação: não aparecem

B. Dificultadores: a expressão da autenticidade do que ocorre no momento é vista como negativa para a identidade do profissional

Eu estava me trocando numa salinha no Hospital do Câncer quando chegou uma médica e disse assim:  estou passando mal, eu vi morrer a criança , me segurei até agora, porque esse é um paciente meu, não queria chorar na frente do pai, mas não estou podendo. Aí ela começou a chorar comigo. E eu comecei chorar, não sabia nem quem era o paciente direito. Mas assim: “porque você não chorou?” “Não, não posso chorar na frente dele, imagina, se ele me vê chorando ele perde a confiança em mim”. (grupo focal – artista)

11.Sucesso do tratamento ligado ao processo de relação estabelecido : o resultado está além da técnica, se o paciente vive ou morre. Ele é resultado da qualidade de relação que foi desenvolvida

A. Indicadores de transformação

. ..o Hospital da Criança, o Doutores da Alegria, não teve a idéia de construir um hospital. Mas a C. teve a idéia, trouxe vocês e foi fazendo e vocês foram  levando em frente, quer dizer, mas é bárbaro saber que foi feito de um trabalho que começou quer dizer, então, será que na verdade não são vocês mesmos se sentindo, sabe, com o quê mesmo? Com a tranqüilidade, com o poder mesmo de mudar.(artista , falando de um hospital construído pensando nas necessidades da criança, grupo focal )

B. Dificultadores: o tratamento ligado a se vive ou morre

Eu falei doutor Nilton, tem uma mãe querendo falar com você.  Imagina ele estava acabado na mesa dele, ele é honesto, era paciente dele né, falou: Mas ela morreu……….(grupo focal – artista)

12.Compreensão que a situação da criança pode ser reconhecida e transformada, não só minimizada: possibilidade de compreender que a relação vai além da parte técnica, que o tratamento implica em desenvolver saúde.

A. Facilitadores: não encontrados

B. Dificultadores: a identidade profissional está ligada exclusivamente a parte técnica. Isso gera uma percepção que a dor deva ser minimizada. Que a relação não possa suportar a dimensão da dor e ir além. Você tem que dar a punção na veia, você tem que fazer um curativo, a gente sabe que tem que executar essa coisa, mas de que maneira a gente pode minimizar isso? fazendo uma bolinha de sabão na mesma hora?( grupo focal – enfermeira)

13.Atuar a partir do que o outro apresenta como necessidade: o referencial é também as necessidades outro, além da conduta prescrita.

A .Indicadores de transformação:

Eu vi uma cena no sexto andar tão bonita, os palhaços estavam trabalhando na enfermaria da Oncologia e chegou uma pessoa da manutenção, e a enfermeira responsável olhou bem no quarto e falou assim: “Olha meu amigo as crianças estão se divertindo muito agora, o senhor vai ter que voltar outra hora.” Ele falou : “Ah, mas outra hora você sabe, quando der.” Ela olhou bem, viu as crianças se divertindo e disse: quando der o senhor volta, eu não vou atrapalhar a diversão das crianças. (grupo focal – artista)

14.Modelo de conhecimento construído a partir da relação em lugar de modelo externo pré estabelecido: as descobertas se fazem a partir da experiência. Ela que trará o conhecimento. Isso colabora para que se perceba cada encontro como novidade e como único.

A Indicadores de transformação: não aparecem

B.  Dificultadores: não aparecem

15. Foco no presente: estar no “aqui agora”, o que conta é a qualidade do momento vivido. Ele se sobrepõe ao prognóstico

A. Indicadores de transformação: não aparecem

B.  Dificultadores: não aparecem.

TERCEIRA ETAPA – 2005 A 2008   Resultados da atuação do trabalho dos Doutores da Alegria segundo 576 profissionais de saúde

Refletir sobre a atuação artística nos hospitais  foi um dos ingredientes essenciais para o desenvolvimento dos Doutores da Alegria como organização. Ele ocorreu em investimento no treinamento de palhaços, acompanhamento das duplas nos hospitais por um coordenador artístico, relatórios, encontros com mestres e pesquisas junto ao nosso público no hospital. Em 2008 a atuação dos Doutores da Alegria se desenvolve em 20 hospitais em quatro cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte). Em 2006 nossa área de pesquisa passou a contar com a colaboração do  Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social, organização que desenvolve avaliação de projetos sociais, para reavaliar os  resultados da atuação dos Doutores da Alegria nos hospitais. O trabalho de avaliação contou com as seguintes etapas: 1) trabalho interno com a equipe dos Doutores da Alegria no sentido de estabelecer diálogos sobre os indicadores de resultados que definem nossa atuação; 2) avaliações qualitativas  semestrais de resultados (março de 2007 a dezembro de 2009) com equipes de profissionais de saúde de dois hospitais (São Paulo e  Rio de Janeiro) onde nosso trabalho foi implementado; 3) avaliações quantitativas: elaboração de instrumentos de avaliação a partir dos indicadores levantados. Todo este processo possibilitou a análise  de questionários aplicados junto a 567 profissionais de saúde que acompanham nosso trabalho em 13 hospitais onde atuamos.

 Metodologia   Avaliação qualitativa   A avaliação qualitativa do trabalho dos Doutores da Alegria foi  realizada em dois hospitais (Hospital Universitário em São Paulo e Hospital dos Servidores no Rio de Janeiro ) desde 2007 por ocasião da implementação do trabalho da dupla de artistas. A metodologia contemplou  encontros semestrais com  um grupo de profissionais ( médicos , enfermeiras , auxiliares de enfermagem , etc)  que trabalham nas unidades em que os Doutores da Alegria atuam ( enfermarias, UTI , ambulatórios). Estes encontros começaram no  marco zero da atuação ( hospital sem Doutores da Alegria )  e aconteceram até o final do terceiro ano de atuação . Um roteiro de perguntas  permeou  as conversas estabelecidas nos encontros. O objetivo foi mapear indicadores de resultados da atuação das duplas ao longo deste período. As observações e anotações dos  grupos realizados colaboraram em subsídios para a formulação dos questionários aplicados para avaliação quantitativa.

Avaliação quantitativa   A avaliação quantitativa do trabalho dos Doutores da Alegria foi realizada durante o mês de setembro de 2008 em todos os hospitais onde o grupo atua em São Paulo (8) e no Rio de Janeiro (5), por meio de questionários estruturados focados em profissionais de saúde. A coleta foi coordenada por Daniel do Instituto Fonte especializado em pesquisas sociais ( www.fonte.org.br).  A opção pelos profissionais de saúde foi feita em função de sua presença constante nos hospitais, o que possibilita que observem de forma contínua o trabalho dos palhaços, qualificando as informações que esta avaliação buscava. A maioria das crianças e seus familiares, em contraposição, têm presença esporádica nesses espaços. Foram respondidos 567 questionários. Entre os que responderam a esta avaliação, 16,3% são médicos(as), 15,5% são enfermeiros(as), 28,1% auxiliares e 5,2% residentes. Outras pessoas dos hospitais que atuam em departamentos administrativos ou em serviços de apoio (por exemplo, limpeza) também participaram desta avaliação e compõem 24,3% da amostra. Os profissionais de saúde entrevistados atuam na enfermaria dos hospitais (47,9%), na UTI (15,2%) e no ambulatório (7,6%), entre outros. Entre os participantes, 24% trabalham no hospital há menos de um ano e 43,5% atuam nos hospital há cinco anos ou mais. As respostas aos questionários foram analisadas estatisticamente e permitiram consolidar resultados em oito indicadores foco desta avaliação: relação das crianças com o tratamento médico,relação dos profissionais de saúde com as crianças, permanência da atuação dos palhaços para as crianças, relação da família com o tratamento das crianças, relação dos profissionais de saúde com as  famílias, relação do profissionais de saúde com equipe de trabalho, relação dos profissionais de saúde consigo, participação em atividades  culturais.

Resultados   Para 96,3% dos profissionais de saúde, as crianças ficam mais a vontade com o ambiente hospitalar a partir das visitas do Doutores da Alegria. 95,4% acreditam que as crianças ficam mais ativas, e 89,2% mais colaborativas com os profissionais de saúde. 77% dos profissionais concordam que as crianças passam a se alimentar melhor e 74,3%  afirmam que elas aceitam melhor exames e procedimentos médicos. 85,4% dos profissionais afirmam que as crianças apresentam evidencias clinicas de melhora a partir da interação com os Doutores da Alegria.   Sobre a permanência da atuação dos palhaços para as crianças, 95,7% dos profissionais de saúde afirmam que as crianças pedem a volta dos palhaços, 91% dizem que as crianças recordam e relatam as brincadeiras realizadas e 87,6% conta que as crianças imitam e reproduzem as brincadeiras realizadas pelos palhaços.

Com relação as famílias/acompanhantes, 90,1% dos profissionais afirmam que  a atuação dos artistas contribui no aumento da confiança das famílias sobre a melhora das crianças e 72,1% dizem que as famílias ficam mais confiantes no tratamento médico oferecido. 89,5% dizem que as famílias passam a brincar mais com as crianças, e 85,3% que elas ficam mais calmas. 77,8% dos profissionais dizem que as famílias ficam mais colaborativas com a equipe. Para 56,3% dos profissionais a atuação dos Doutores da Alegria colabora para que eles possam compreender melhor as famílias e tenham mais facilidade de conversar com elas (56,3%)   Sobre a relação dos profissionais de saúde com as crianças a partir das visitas dos palhaços, 76,1% afirmam que passaram a brincar mais com as crianças, 75,5% passaram a buscar novas formas de aproximação com as crianças, 75,2 % afirmam que passaram a reconhecer as crianças mais do que como pacientes e 69% passaram a conversar mais com as crianças.   Sobre a relação  dos profissionais com sua atuação profissional, 83% concordam que se sentem mais calmos com o trabalho no hospital a partir do contato com a atuação dos Doutores da Alegria, 76,3% dizem que se sentem mais satisfeitos com o trabalho, 63,7%  afirmam que realizam as rotinas de trabalho com  melhor qualidade .

Sobre a relação do profissional de saúde com a equipe de trabalho, 56,8% dos profissionais afirmam que passaram a ter mais disponibilidade para escutar os colegas a partir do contato com os Doutores da Alegria, 49, 5% diz que a equipe está mais coesa, 45,8% concorda que abriu-se espaço na equipe para falar de questões delicadas e sensíveis.   Sobre a participação em atividades culturais, 28,8% dos profissionais afirmam que  passaram a ouvir mais musica  a partir do contato com o trabalho dos artistas, 24,4% passaram a ler mais livros, 20,1% a frequentar mais cinema, 17,6% a ir mais ao teatro e 15,4% ao circo.